Diálogos com a ARTE

Tempo, Tempo, Tempo, Tempo Rei

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Quando penso no Tempo, duas canções dividem espaço em minha mente: Oração ao Tempo e Tempo Rei, dos meus queridos poetas e cantadores Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Essas canções não apenas na poesia com na melodia, oscilam apresentando duas visões do tempo. Ambas apresentam como interlocutora a divindade africana e bizantina caracterizadas pelo tempo como fenômeno e personificação.

Oração ao Tempo, Caetano Veloso.  Ouça e Sinta a canção!

Essa canção traz a repetição da palavra tempo com um vocativo, para um ritual, demonstrando a circularidade do tempo, apresentando a sequência lógica do começo, meio e fim, constituindo uma verdadeira Oração, uma Prece, um diálogo com o tempo, seja ele fenômeno, divindade ou os dois. Porque ele pede a bênção às musas, antes de cantar, enquanto propõe um trato para o tempo, aproximando-se das oferendas do Candomblé/Umbanda, na relação com o Orixá – retratando um pouco de sua crença religiosa.

Tempo Rei, Gilberto Gil. Ouça e Sinta a canção!

Essa poesia-canção tem a caracterização tradicional, ao apresentar refrão. Mas, é uma poesia repleta de sutilezas. O primeiro e o último verso apresentam o aviso: “não me iludo (fazendo uma referência ao que disse Einstein: “O tempo é uma ilusão.” Assim como ao conceito Hinduísta que entende o tempo como uma artimanha de Maya, a deusa da ilusão).

Com o jeito Gil de ser, delicado e direto ao ouvido que ouve e escuta, sua voz sugere a leveza necessária para tratar do tema, como se pisasse em ovos, abordando o perigo iminente da destruição, mas enfatizando que “Tudo permanecerá do jeito que tem sido, transcorrendo, transformando…”).

Tempo contínuo. Tempo finito é a temática do refrão, assim como na invocação do Tempo de Caetano. Dessa forma, transformando-se também em oração e Gil esclarece que o fim é transformação.

E o tempo transita entre o Divino, Kairós, e o Cronológico, Kronos, gerando uma intimidade, aparentemente impossível.

O tempo é reconhecido com sempre novo e outro, ou seja,  o mesmo do mesmo, só que diferente.

“Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo”

Em correspondência com “Transformai as velhas formas do viver.”

Usa de um dito popular: “água mole em pedra dura…”, enfatizando a eficácia com que os fatos, pessoas e situações acabam tendo no decorrer do tempo.

Contudo, na poesia, há a omissão da parte final do dito, “até que fura” (cujo significado é o da ação de interferência no mundo, dentro do plano do tempo “real”, cronológico), e a sua substituição pela expressão “que não restará nem pensamento”, servem para romper a expectativa de enunciação completa de um dito conhecido, sugerindo a ideia de ruptura da dimensão do tempo, enquanto duração para a dimensão do tempo “enquanto eternidade absorve todas as suas dimensões, para a sua transdimensionalização”; de saída “do tempo-existência para o tempo-essência (o eterno)”; do tempo para o “atempo” – onde, nas palavras do compositor, “já nem pensar é possível”.

E com efeito, o verso “Água mole, pedra dura / Tanto bate que não restará nem pensamento” explica, ou teoriza, sobre a estrutura de mantra presente na Oração ao tempo, sobre a repetição, a duração, a permanência da forma que a deixa para trás, graças à repetição, sugere que algo novo possa surgir.

Fechando as canções, o motivo das poesias, pedido ao tempo, seccionando as invenções:

“Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Quando o tempo for propício
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
E eu espalhe benefícios”

e

“Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me o que eu ainda não não sei”

Transcender, ultrapassar a finita e infinita possibilidade do tempo, continuamente nova,  que sempre engendra um novo começo, pela repetição – desaparecendo para que algo novo surja.

Gil roga à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mater cristã a divindade do eterno, fundindo em um nome, numa dúbia oração pagã, permanência e finitude, oriente e ocidente (N. S. do Perpétuo Socorro tem origem bizantina).

Passado, presente e futuro em direção a um lugar para além do seu tempo, promovendo encontros, reencontos e desencontros. Em profundidade, o pedido ao tempo viabiliza a cada um de nós que:

O tempo faça o que sabe fazer: passe.
Permaneça, para que nós passemos.
Passemos, para que permaneça em nós o que formos, efetivamente, nós, na presença do tempo.

Isso faz sentido pra mim e para você?

Abraços Resilientes da Melcina.

“Você está vivo!
Kaizen: Melhoria Contínua, porque O MELHOR – ainda – está por vir.”

Melcina Moura MorenoTempo, Tempo, Tempo, Tempo Rei
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